26 janeiro, 2010

Sobre mãos e despedidas

As mãos quentes e inchadas de sua avó desacordada no leito do hospital era o que mais lhe chamava a atenção (também, preferia não olhar pro rosto inanimado a respirar com a boca aberta e seca por uma máscara de ar).

Lembrou da última vez que sua vó estivera nessa situação, meses antes. Fora ela quem, mesmo ensonada, pegou a mão da neta com as suas antes de voltar a dormir e, de tempos em tempos, apertava um pouco seus dedos, respondendo aos estímulos que recebia de carinho de neta. Ficaram assim por um bom tempo.

Dessa vez ela não ia dar o primeiro passo, nem podia. Então a menina envolveu com as suas as mãos dela. Duas gerações de vida separavam aquelas mãos.

Estavam quentes e macias. Parece pele de galinha crua, pensou, solta sobre a carne. Aí pensou em quanta vida aquelas mãos, agora inertes, já não haviam tateado, amassado, apertado, acarinhado. Histórias demais por trás daquele tecido cheio de rugas, manchas e marcas.

Seu olhar se voltou, então, pra suas próprias mãos. Diferente das de sua avó, elas exibiam o frescor e altivez da juventude. Sempre tivera mãos grandes. Eram ágeis e firmes, com a pele viçosa, com a força e o vigor do corpo aparentes. Mãos com uma ânsia absurda de escrever, desenhar, amassar e carinhar novas histórias, muitas ainda por vir. Ela sempre gostou de observar suas mãos, sua aparência, os movimentos que era capaz de fazer, o desenho dos ossos e veias por sob a pele. Agora fazia ainda mais sentido.

Um olhar desapercebido daquelas mãos justapostas poderia levar a uma análise ingênua. Não se tratava de lamentar aquelas quase sem vida em detrimento das outras, tão jovens. Não. Aquilo era, sim, o retrato bonito da matéria vida.

Ela olhava praquele contraste e mergulhava numa calma aconchegante. Tudo fazia sentido.

Perdeu a noção de quanto tempo ficou ali tateando a vida de sua vó nas rugas de suas mãos. Quando achou que era hora, despediu-se. 'Vó, eu tô indo. Boa noite pra senhora. Fica bem, viu?'.

Mais tarde lembrou que esquecera de dizer que voltava no dia seguinte. Mas no dia seguinte, isso já não teve importância.


5 comentários:

Unknown disse...

Lindo texto KZ.
Vc deveria escrever mais.
Bjks

Julli Pop disse...

Simplesmente lindo, lindo mesmo!!! Faça muito mais vezes, nos de sempre o prazer de degustar suas palavras... bjus prima JU

eduardo ferreira disse...

esse texto mexeu muito comigo, estou no momento de correr para dizer adeus a um senhor que amo muito. parabéns pelo texto. lindo!

Andria disse...

Má, fiquei muito emocionada com seu texto...lindo!!! É exatamente o que todos sentiram por um instante.
Bjs

Luiz Carlos Figueirêdo disse...

Me fez chorar,
Sentir e
Feliz.

Muito lindo!